Guia INCORRETO da História do Brasil – Leandro Narloch –
Resenha crítica Muito, muito ruim. Péssimo uso para celulose, tinta e impressão. Um desperdício monstruoso e injustificável de árvores do Brasil
Politicamente Incorreto – O a.
intitula seu trabalho de Guia “Politicamente” incorreto,
inserindo-se claramente na ideologia conservadora estadunidense
contemporânea, que contamina a de todos os países periféricos ao
Império, a informar que palavras como “negro” devem ser evitadas
e substituídas por “afro-descendente”; “índio”, por “americano
nativo”; “esquerda” deve ser chamada de “ideologia” e “direita”
passa a ser considerada “isenta de ideologia”. Além disso, os
heróis culturais da resistência ao domínio estrangeiro devem ter
suas histórias respeitadas (e o a. se propõe precisamente a
enlamear a memória destes), assim como os vilões, genocidas e
gatunos em geral devem ser expostos pelas suas crueldades (o a.,
no entanto busca em vão, partindo de premissas falsas ou
falaciosas, colocar lindas cores nos criminosos enquanto joga
lama nos heróis). O livro contém várias outras imprecisões e
incorreções políticas que ultrapassam esta acepção mais recente,
“da moda”, por assim dizer.
Trata-se de um livro politicamente incorreto, em
diversas acepções do termo, sem dúvida! Mas também
antropologicamente incorreto, eticamente incorreto,
economicamente incorreto, geopoliticamente incorreto e
historicamente impreciso.Não fará falta alguma a quem não o ler.
O a. faz um apanhado a esmo de histórias e
preconceitos e os resume na primeira aba do livro, “Quem mais
matou índios foram os próprios índios” – o que seria isso?
Ouvindo a notícia da chegada da brutal “civilização ocidental”
resolveram cometer suicídio coletivo para não cair nas mãos do
inimigo? Deve haver algo mais dentro desse livro, não é possível
uma abordagem assim simplista. “Antes de entrar em guerra o
Paraguai era um país rural e burocrático” – em termos... A posse
da terra se concentrava nas mãos da família Lopes, que era a
única casta endinheirada do país. Todo o restante da população
era constituída de descendentes de uma longa mestiçagem de
guaranis com descendentes de espanhóis no país bilíngue e sem
analfabetismo. Em 1850 todos os paraguaios com mais de 14 anos
sabiam ler e escrever em espanhol e guarani. O país era
eminentemente agrário, mas contava com ferrovias de fabricação
própria (Solano Lopes contratou mais de centenas de
profissionais de diversos países para ensinar a tecnologia
industrial nascente aos paraguaios. Eram os estrangeiros a
serviço do Paraguai e não o país a serviço dos estrangeiros como
usualmente ocorre na América Latina) e as armas que o Paraguai
usou na Guerra (canhões, pólvora, fuzis, balas, morteiros, etc.
eram fabricadas no Paraguai, na Fundição Ybicuí), ao contrário
dos países coligados contra o Paraguai (Uruguai, Argentina e
Brasil) que precisavam comprar da Inglaterra o armamento, a
munição, os uniformes e mesmo os grilhões para conduzir os
“voluntários da pátria” ao front de combate. Os arquivos daquela
guerra no Brasil seguem selados, portanto, qualquer pesquisador
tem de confiar nas fontes primárias do Uruguai, da Argentina, da
Inglaterra e mesmo dos EUA, onde se encontra inúmeras
informações. A versão do Exército Brasileiro segue imutável
desde 1850 e está em conflito com as outras versões dos arquivos
já abertos, mas é a que o a. defende em sua obra, claramente
incorreta, particularmente do ponto de vista político mesmo. Não
me conto entre os que defendem a tese de que a Inglaterra, de
alguma forma, fomentou aquela guerra. Mas é absolutamente
inegável que a Inglaterra foi a maior vencedora do conflito com
todos os países envolvidos brutalmente endividados para com a
Potência Européia.
Na aba da
contracapa entendemos melhor um pouco o sensacionalismo e o
amadorismo da aproximação do a. Um jovem, ex-editor da revista “Superinteressante”, sem formação em
história e com vontade de irritar e “se vingar” dos professores
que – quiçá eles mesmos confusos e mal preparados – transmitiram
como “Oficial” a Nova História Crítica, aumentando a confusão. O
folhetim “Superinteressante”, para quem não se recorda bem,
falava de pessoas que teriam sido abduzidas por extraterrestres,
gente que ouvia pela barriga, contatos mediúnicos com gente
morta, publicava fotos sensacionalistas questionando o pouso dos
astronautas estadunidenses na Lua e outras mixórdias
sensacionalistas intelectualmente vazias de conteúdo.
Abrimos o livro e o a. faz uma confusão sem sentido
nem necessidade com as nomenclaturas dadas à Historiografia
oficial. Não é culpado. Além de não ter formação na área, a
educação no Brasil vem mesmo ladeira abaixo há décadas! Fico
triste por ele...
A partir de meados do século XX, os historiadores
sérios foram às fontes primárias (sobreviventes de determinados
eventos ou seus descendentes, jornais de época, registros de
batizado, casamento ou – se já no período republicano –
cartórios de registros) e revisaram a História Oficial passando
a chamá-la de Nova História Crítica do Brasil. Esta versão, bem
mais profunda e acurada, procurava a precisão histórica com todo
o empenho e concluiu algumas coisas que passaram a ser ensinadas
nas escolas públicas e privadas a partir da segunda metade do
século XX (época em que o a. frequentava bancos escolares). Bem,
o a. se rebela contra a história que coloca o negro, o índio e
as mulheres no mesmo patamar de humanidade que os brancos vindos
da Península Ibérica. Para ele, “é preciso remover o ranço de
ideologia e reconhecer a superioridade do homem branco sobre o
índio, o negro e as mulheres” – não o diz com essas palavras
exatamente, mas é nelas que se firma para criticar a Nova
História Crítica, voltando precisamente à História Oficial,
tradicional, de Oliveira Vianna e outros epígonos da direita
brasileira. Chama de “Oficial” a História Crítica que nos levou
décadas para limpar de todo o ranço conservador da História
Tradicional de meados do século passado e chama de “Nova
História” este retrocesso à história à la Oliveira Vianna, dando
ares de novidade a coisas já conhecidas e desconsideradas por
imprecisas em meados e finais do século passado. História
Incorreta mesmo, portanto. Diz desejar “causar raiva a um bocado
de gente”. Talvez eu esteja um tanto zangado, mas não com o a.,
coitado, que se sujeitou a essa herança maldita da péssima
educação das escolas que o levou a rebelar-se contra os fatos,
voltando às ficções do tradicionalismo historiográfico.
Provavelmente, por causa das ditaduras militares
plantadas no Cone Sul da América Latina pelos EUA no auge da
chamada “Guerra Fria” contra o comunismo, os intelectuais de
direita brasileiros preferem alegar-se “sem ideologia”. “Com
ideologia” são aqueles que acreditam numa alternativa mais
humanizada, menos cruel, não capitalista a tudo o que vemos
desmoronar em nosso país e vizinhança.
Pois bem, como um pequenino Francis Fukuyama
tupiniquim, alia-se ao também direitista (ou “não ideológico”)
José Murilo de Carvalho e celebra “o fim das ideologias”. Ranço
das ditaduras militares no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai,
Paraguai, etc., os ideólogos da direita só conseguem vislumbrar
ideologia na contestação. Sua ideologia voltada a elogiar o
tradicional, voltar ao antigo dando-lhe nomes novos (inovando em
palavras e fontes – sempre secundárias, mais um defeito de um
não historiador se imiscuir em seara que lhe é desconhecida,
jamais visita cemitérios para conferir datas, ou mesmo lê
jornais de época, menos ainda entrevista pessoas – descendentes
ou mesmo testemunhas oculares de alguns fatos narrados para
aferir sua veridicidade: satisfaz-se com a pesquisa superficial
em livros com cuja orientação ideológica concorda). Abordagem
incorreta, “politicamente” incorreta, se se faz questão.
Ressalto que grandes intelectuais de direita nos EUA
e Europa, fazem questão de assim o afirmar: o já citado Francis
Fukuyama, Irving Kristol, Norman Podhoretz, Sam Harris, Milton
Friedman... Bah, contam-se entre milhares e se orgulham de estar
entre os principais ideólogos da direita. De esquerda são os que
defendem os interesses do povo trabalhador, o que gera a riqueza
(não na propaganda, como Lula e seus comparsas, mas na prática).
Deles o mundo contemporâneo também está bem servido. No topo da
lista, sem sombra de dúvida, Noam Chomsky, mas também Júlio José
Chiavenatto, Eduardo Galeano, Ignácio Ramonet, Slavoj Zizek e
por aí vai.
Não sendo orientado por uma corrente ideológica,
quem desejar escrever o que quer que seja fica mais perdido que
barata em danceteria. O fato de o a. do livro em análise haver
selecionado autores de direita como sua única fonte de pesquisa
científica já o coloca ideologicamente em seu nicho, quer ele
goste disso ou não, o que é irrelevante.
Etnocentrismo, o
maior buraco no livro
Estudos de casos
Como faz o a., não vou me debruçar sobre tudo o
que escreveu, há coisas que são por demais óbvias para merecer
considerações mais aprofundadas. Uma revisão acurada e séria
implicaria, sim, em outro livro...
1 – Índios
O estudo aqui chega a um
primarismo atroz: o a. “descobriu” que os índios já faziam guerra
entre si antes da chegada dos europeus por aqui e que os portugueses
se aliavam com algumas tribos para massacrar outras, a seguir com
terceiras para massacrar as segundas, envolviam-nos nas disputas de
terras com os navegadores oriundos de países protestantes que
contestavam o direito do soberano da Igreja Católica “dividir o
mundo entre Portugal e Espanha” e assim, levavam muitos índios a
aliar-se com os portugueses para lutar contra franceses (que também
tinham aliados entre os índios), holandeses, etc. Fazendo as contas,
sim: índios mataram muitos índios. Eram motivados internamente,
entre eles, para isso? Claro que não. Os índios podem ser
considerados responsáveis pela sua própria extinção? Ridículo...
Há um conceito em antropologia,
chamado de ETNOCENTRISMO que, resumidamente significa algo como
“considerar a própria cultura ou civilização como superior a todas
as demais ou mesmo a única válida”, o que é um erro, pois os seres
humanos percorrem todos os rincões do Planeta Terra há pelo menos
150.000 anos, culturas e civilizações distantes optaram por
atualizar determinados potenciais humanos e outras o fazem de
maneira diferente. Tvetan Todorov em “A Conquista da América” coloca
com clareza as diferenças de visão de mundo entre os Europeus e os
nativos desta terra. A Europa Renascentista estava fechada nas
certezas escolásticas da Igreja Católica e, em guerra contra
muçulmanos e judeus, por ilação contra tudo o que não fosse cristão.
Os “índios” foram surpreendidos com um acontecimento fabuloso cuja
dimensão somente aos poucos se descortinou.
Antropologicamente ainda, sabemos que
a Espécie Humana é a única no Planeta Terra que pratica sacrifícios
conscientes de membros da própria espécie, “sacrifícios humanos”
como no caso de Giordano Bruno – e tantos milhões de seres humanos
que iluminaram a Europa com as fogueiras da Santa Inquisição. Já li
em algum lugar que “não foram milhões, foram apenas algumas centenas
de milhares...” de pessoas que morreram porque eram “bruxas”,
“hereges”, “maçons”, católicos entre os protestantes, protestantes
entre os católicos, etc. Os Sacrifícios Humanos – sempre praticados
em todas as sociedades humanas em todos os tempos – seguem uma
ritualística e, milhões, centenas de milhares ou que número for, não
me parece justificável. Hoje em dia, no centro do capitalismo os
Sacrifícios Humanos são decididos em tribunais e cortes (os EUA são
o último país do 1º mundo que ainda pratica esse tipo de ritual) e a
forma de execução varia de lugar para lugar: fuzilamento, cadeira
elétrica, injeção letal, gás... As comunidades tribais da América
não são diferentes e também tinham lá seus rituais para os
sacrifícios humanos. Ilógico considerar que um tipo de sacrifício
humano é “aceitável” e outro tipo “não é aceitável”. A decisão,
tradicionalmente se dá pelas armas, quem dispõe de maior aparato
bélico vence e a sua forma de Sacrifício Humano adota nomes mais
amenos (mas segue fazendo vítimas). Note bem: não há “superioridade
moral” em questão neste caso. A superioridade bélica foi o
suficiente para determinar “que código de conduta moral deve ser
considerado superior”.
Sabemos ainda que a Espécie Humana é
a única capaz de juntar grupos grandes de pessoas para “fazer
guerra” contra outro grupo (isso ocorre entre Zulus e Bantos; entre
Tupinambás e Guaranis; entre Franceses e Alemães; entre
estadunidenses e muçulmanos, entre judeus e palestinos...) Daí que,
“informar” que “os índios também faziam guerra” é mais ou menos como
informar que “os índios também são humanos” – não acrescenta nem
subtrai absolutamente nada ao conhecimento a despeito do número de
páginas dedicadas a este tema específico, buscando,
ETNOCENTRICAMENTE, justificar as lutas dos brancos contra os índios
como “justas” e as resistências dos índios aos brancos como
“injustas” ou, no limite, “burrice”, uma vez que os europeus aqui
estavam para “trazer a civilização”... Européia, que não era do
interesse dos índios, como ficou claríssimo e fica claro até hoje,
quando os madeireiros paulistas despejam – de avião – cargas enormes
com doces, chocolates, camisetas, brinquedos e outras bugigangas
para os Ianomâmi no Amazonas: tudo infectado com Varíola. Morta a
população Ianomâmi da área pretendida pela madeireira, vão para lá
os brancos vacinados e desmatam mais um pedaço grande do futuro
Deserto Amazônico.
ANTROPOLOGICAMENTE INCORRETO
é outro título que cabe ao livro em análise, portanto.
Os índios do Brasil ficaram
literalmente ENTRE A CRUZ E A ESPADA: ou se convertiam à mensagem da
cruz – e morriam enquanto cultura – ou mantinham seus costumes e
eram passados ao fio da espada. O genocídio dos índios do Brasil
continua a pleno vapor em pleno século XXI, como digo acima e não há
nada moralmente superior na cultura europeia que justifique este
fato. 2 –
Euclides da Cunha
Alguns dados pinçados pelo a. da Obra de Marco Antonio Villa são
realmente precisos. Villa é um pesquisador sério que vai à fonte,
busca a fonte primária sempre e não escrevinha sobre o que leu em
outros livros somente. Pessoas sérias conferem o que está publicado
em livros – ideologicamente orientados todos, por definição –
atrasava reportagens; talvez seu excesso de zelo o levasse a
conferir a acuidade dos fatos antes de remetê-los a São Paulo com a
sua assinatura e isso frequentemente fazia com que outros
jornalistas apresentassem “furos” antes dele.
O fato de estar dedicado à acuidade
dos fatos está patenteado em seu livro mais famoso (e concordo com o
a. neste ponto, para o leitor do século XXI, chatíssimo!) “Os
Sertões”. Escrito numa época em que exibir erudição era praticamente
obrigatório em livros sérios (como hoje exibir ignorância parece
cumprir o mesmo papel), para o leitor da época foi aclamadíssimo,
várias edições se fizeram publicar, várias leituras públicas de
trechos do livro foram realizadas em diversos saraus no Rio de
Janeiro mas, evidentemente, não era “Superinteressante”, não foi
escrito com a intenção de “ser popular”. É realmente um livro para
poucos, desde a sua publicação.
É fato notório que Euclides da Cunha
dedicava mais tempo a seus livros, suas cartas, seu trabalho e seus
estudos que à família. Também notório que Anna da Cunha precisava
frequentemente do suporte paterno; quando o Major Sólon Ribeiro
faleceu, ela realmente ficou numa situação bastante difícil.
Anna era uma mulher admirável. As
ausências do marido a fizeram aproximar-se de Dilermando de Assis
(que, por sinal, ela ajudou a criar desde a infância), amigo da
família, hóspede constante e Anna, solitária e fogosa, numa viagem
que Euclides fez à Amazônia a pedido do Barão do Rio Branco, acabou
engravidando de Dilermando pela primeira vez. A criança morreu
poucos dias após o parto, o que é fato. As versões sobre a morte do
menino são divergentes. Judite de Assis, terceira filha do casal,
escreveu um livro impregnado de insultos e inverdades sobre Euclides
da Cunha, que a família de Euclides (eu, que assino estas linhas,
tenho a honra de contar entre meus amigos os familiares de Euclides
da Cunha, aliás) refuta linha por linha. Para Judite, Euclides da
Cunha impediu Anna de alimentar a criança (o que, francamente, não
me parece condizente com o perfil de um chefe de família tão ausente
quanto Euclides o era...). Euclides da Cunha e seus descendentes
acusam Anna de Assis de tomar abortivos que acabaram por minar o
pouco de vida que nasceu com a criança. Como não houve um inquérito
policial aprofundado e não há consenso quanto à causa mortis
da criança, o a. preferiu ficar com a OPINIÃO da Judite. Direito
dele, o de “tomar partido”, claro. Mas dizer que Euclides da Cunha
foi um “infanticida” é um exagero desnecessário e, do ponto de vista
histórico meramente factual, simplesmente INCORRETO.
O segundo filho que Anna teve com
Dilermando, Euclides da Cunha criou como seu e se referia a ele em
suas cartas como “minha espiga de milho no cafezal”, pois ele e Anna
eram morenos e o menino, loirinho, era “a cara do Dilermando”... O
a. da “História Incorreta do Brasil” omite este fato – o segundo
filho de Dilermando e Anna, estando ela ainda casada com Euclides,
por ignorância ou omissão calculada a fim de reforçar a imagem de
“infanticida” criada pela Judite, o a. ERROU DE NOVO.
Arthur Schoppenhauer, provavelmente o
homem que melhor compreendeu a mulher em toda a sua complexidade,
assim se refere ao adultério:
“A
honra feminina quer que não ocorra um coito ilegítimo, pois somente
assim o inimigo (os homens) é obrigado à capitulação (o casamento);
por isso, toda a cópula ilegítima é punida pela comunidade feminina
como uma traição em favor do inimigo, por meio da imposição de
desonra à culpada e da expulsão do grupo.
A honra masculina quer que não ocorra nenhum adultério,
pois somente assim o inimigo (as mulheres) é obrigado a, pelo menos,
manter a capitulação obtida; por isso, todo aquele que tolera
conscientemente o adultério de sua mulher é punido pela comunidade
masculina como traidor, por meio da imposição da desonra.”
3 – Interesses Econômicos
como mola da história
O a. se apresenta irritadiço com a análise da história –
particularmente da história da expansão europeia, a única que o
interessa, desprezando os índios e negros como seres inferiores – a
partir de interesses econômicos. Despede a análise a partir de
interesses econômicos com uma ou duas frases mal alinhavadas. O
ideólogo da direita que se seguiu a Marx, Max Weber, teve um tanto
mais de cuidado e fundamentou sua crítica ao marxismo com alguma
elegância e profunda erudição. O a. da “História Incorreta”
simplesmente se recusa a analisar a partir deste prisma numa frase e
passa a fazê-lo frequentemente ao longo do livro.
Não gosta de ver o quintal dos EUA
ser assim referido, como se tivéssemos outra alternativa. Veja-se o
que se tem feito, por exemplo na História do Brasil (o mesmo valendo
para Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai...) nas últimas décadas:
Entre 1955 e 1960 os EUA criaram uma Escola Superior de Guerra e
chamaram militares de alto escalão de todo o subcontinente para
frequentar suas aulas (aprendia-se “métodos de extração de
confissão”, eufemismo para tortura, outro fenômeno que, no reino
animal, só ocorre na Espécie Humana, a tortura; “combate ao
comunismo”; “controle de distúrbios populares” e outros temas
angelicais congêneres. De volta aos países de origem, todos os
militares de alta patente criaram suas próprias “Escolas Superiores
de Guerra” com o mesmo tipo de orientação ideológica. Em 1964 foi a
vez dos militares brasileiros darem um golpe no presidente
constitucional, com largo apoio estadunidense que mantinha uma frota
a postos para intervir a qualquer momento caso os militares
brasileiros não conseguissem controlar a situação. Aqui não foi
necessária uma intervenção direta, como a que ocorreu no Chile em
1973 com o desembarque dos boinas verdes estadunidenses atirando a
esmo no que se mexesse, como usualmente fazem nos países que
invadem.
No final do século XX foi a
vez do Poder decisório de fato nos EUA foi transferido da Casa
Branca para Wall Street e os ideólogos da direita estadunidense –
Milton Friedman à frente – e toda a economia do subcontinente foi
orientada segundo o que se convencionou chamar “Consenso de
Washington”; no Brasil, “Plano Real”, na Argentina, “Plano Cavallo”.
O princípio é bem simples: privatizações subvencionadas por recursos
oriundos dos impostos dos povos do país dominado; elevação das taxas
de juros; moeda mais ou menos paritária ao dólar estadunidense não
importa a que meios ou custos ao povo do país vítima; congelamento
de salários; contenção de “gastos” com saúde, educação e segurança
pública, tornando o país “seguro” para o Capital e tremendamente
inseguro para a vida humana; “internalização”, na moeda local, da
dívida externa a ser paga, com juros maiores aos mesmos credores. O
modelo se espalha pelo mundo inteiro e, como não é “sustentável” –
uma dívida crescente cujos juros não pagos são agregados ao
principal numa escalada sem fim. Até o presente as “alternativas”
encontradas são as de “reduzir os custos da mão de obra” e “reduzir
os gastos do governo” – Robin Hood às avessas arrancar dinheiro de
quem tem pouco para transferir aos senhores do cassino internacional
em que se tornou o capitalismo contemporâneo.
Em nada disso consegue o a.
encontrar “interesses econômicos” conflitantes entre os agressores e
os agredidos? Inocência, incoerência ou ideologia? A resposta
aparece claramente na expressão – “isenta de ideologia” com que o a.
termina o livro, em minha edição na página 336: “Viva o Brasil
Capitalista!”
Coando mosquito
O samba nasceu do jazz...
Zumbi não se chamava Francisco e
tinha escravos...
Os Portugueses aprenderam a
escravidão com os negros e a feijoada tem origem europeia...
Aleijadinho foi um personagem de ficção (o a.
defende lá o seu ponto de vista. É preciso reconhecer que há mais
obras atribuídas a um único artista do que seria racional imaginar,
mas se vamos a Congonhas do Campo, vemos as estátuas em pedra-sabão
e, definitivamente, aquilo não é obra de um personagem de quadrinhos
da Superinteressante!)
A princípio os jesuítas “deram uma
folga” na mata atlântica, SIC, pois eram os índios que a estavam
destruindo (SIC de novo!). No fim das contas, os Portugueses
aprenderam com os índios a prática da coivara (assusta como os
portugueses só aprenderam o que não presta com os povos da África e
da América...).
Os índios eram viciados em cachaça e
não davam sossego às pessoas que viviam suas vidas pacatas nos
povoados adjacentes – estranho... E eu que pensava que a cachaça era
uma invenção europeia...
Sobre Monarquia e Império um elogio à
(SIC) vocação pacifista e gradualista do brasileiro...
Os comunistas eram trapalhões e
atrapalhados em sua luta contra a ditadura militar. Deve ser por
isso que os generais mandaram tantos aviões Hércules C-130
carregados com “essa gente desagradável” para ser jogada no meio do
Oceano Atlântico.
Santos Dumont não cometeu suicídio
por que viu sua invenção ser usada na Primeira Guerra Mundial – em
verdade, os irmãos Wright claramente passaram a sua frente e Santos
Dumont não tinha problemas em ver seus balões e aviões usados para
despejar bombas... Por algum motivo que só o a. pode explicar, a
versão corrente na época e até bem recentemente de que foi o
homossexualismo de Dumont o que o levou à depressão e ao suicídio
não aparece e este viés tem um potencial bem ao gosto do pequenino
a., sensacionalista.
A Doutora Niède Guidon enviou amostras de suas descobertas na Serra
da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí para análise e datação
precisa em laboratórios na França e EUA – inclusive coprólitos
– fezes fossilizadas, úteis para se descobrir o que as pessoas que
ali moravam comiam. A datação através do Carbono 14 e outras
metodologias mais sofisticadas vaticinaram: o sítio arqueológico de
São Raimundo Nonato apresenta ocupação humana datada de mais de
45.000 anos atrás. Este fato em si traz mais perguntas que respostas
– havia seres humanos organizados em alguma forma de comunidade em
São Raimundo Nonato há mais de 45.000 anos. Como chegaram ali? Qual
era o clima, a vegetação e a hidrologia do lugar há 45 milhares de
anos? Qual teria sido sua trajetória e o que os atraiu ali? É
preciso pesquisar mais a fundo os pontos intermediários que
necessariamente nossos ancestrais trilharam antes de chegar até ali,
etc. Interessante como, neste caso, que não cabe, a única coisa que
o a. consegue ver (sempre vemos o mundo com nossos próprios olhos,
claro está) são “interesses econômicos escusos”, o que ele se recusa
a admitir em casos concretamente documentados e provados... É de se
lamentar, não causar ira ou raiva, que a educação no Brasil tenha
chegado a ponto de um a. poder colocar uma barbaridade dessas num
livro publicado embora por editora obscura. Não creio que a Doutora
Niède Guidon, grande ser humano, vá se rebaixar a responder ao
leandro, tadinho... É uma acusação tão absurdamente risível que
sequer mereceria comentário se esse livro não houvesse atingido (ao
lado daqueles de auto-ajuda ao Autor e lixo intelectual similar) um
lugar de destaque entre “os mais lidos” num país tão culturalmente
pauperizado quanto o nosso...
Veredicto
Do ponto de vista histórico, factual,
por se fundamentar em fontes secundárias ou terciárias apresenta-se
HISTORICAMENTE INCORRETO.
Do ponto de vista antropológico, por
centrar-se na visão eurocêntrica e apresentar desprezo monumental a
qualquer cultura diferente da europeia o livro é ANTROPOLOGICAMENTE
INCORRETO.
Do ponto de vista da orientação
ideológica, ao tomar o partido dos “vencedores” contra os
“vencidos”, volta à História Oficial do Brasil do início do século
XX, apoia o Império, a ditadura militar e a ditadura do Capital. É
IDEOLOGICAMENTE ORIENTADO À DIREITA E POLITICAMENTE INCORRETO. Em síntese, como digo acima e reafirmo aqui: "É um livreco muito, muito ruim. Péssimo uso para celulose, tinta e impressão. Um desperdício monstruoso e injustificável de árvores do Brasil."
Leitura
Recomendada ao Cientista Social Crítico, a
fim de perceber para onde vai a propaganda
anti-popular no Brasil |